Fotogrametria para Arcadas Dentárias - Protocolo e Comparação¶
Introdução¶
Com o advento das novas tecnologias o trabalho do setor odontológico que outrora fora completamente analógico, tem sido portado dia após dia para o campo digital. No entanto, haver opções digitais não implica necessariamente em poder absorvê-las, ainda mais quando se observa o alto custo de software e equipamentos como scanners intraorais.
Felizmente existem alternativas gratuitas que entregam bons resultados de digitalização e edição de arcadas dentárias e o presente material tem por objetivo apresentar uma delas, com ferramentes disponíveis na internet e equipamentos presentes em parte considerável de todas as habitações do planeta.
Munido de um computador mediano, um tecido escuro e uma câmera digital simples, um indivíduo bem treinado poderá digitalizar em 3D um modelo de arcada dentária com grande precisão.
Como Fazer as Fotografias¶
Como abordado no início do documento, o objetivo é criar um ambiente onde parte significativa das pessoas possam replicar o protocolo.
Para que a fotogrametria funcione o modelo precisa receber um tratamento que consiste em pequenos riscos nas arestas principais e quadriculados em regiões mais planas (Fig. 2). Caso isso não seja feito, quase que certamente a fotogrametria não gerará bons resultados. Não há necessidade de fazer o tracejado em todo o modelo, apenas nas regiões de interesse como os dentes e parte da gengiva.
A imagem ilustra com objetividade os passos a serem seguidos (Fig. 3). Será necessária uma pequena estrutura para dar suporte ao fundo do pequeno cenário, no exemplo foi usada uma caixa que pode ser de sapato (A). Um tecido escuro foi colocado sobre a caixa, pode ser uma camiseta, só é necessário que não contenha imagens ou padrão, mas apenas uma cor. Em seguida o modelo é posicionado ao centro da parte mais baixa da estrutura (B). Por fim o usuário pode fazer as fotografias alternando as alturas e respeitando os limites do fundo, de modo prático, sem a necessidade de um suporte para a máquina (C).
A rotação do modelo é feita com uma das mãos, logo, com uma mão o usuário segura o smartphone e fotografa e com a outra ele faz pequenas rotações na peça. O processo leva em média dois minutos, para que serjam tiradas de 64 a 72 fotos em duas alturas.
Para saber como a rotação é feita, veja esse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=or6Y0q__i9Q
As fotos precisam ser feitas em duas alturas direfentes, nos moldes do protocolo de fotogrametria de crânio descrito em Protocolo de Círculo Duplo.
Aviso
Lembre-se que o smartphone ficará na mesma posição, o que vai ser rotacionado é o objeto e como o fundo é escuro o algoritmo vai ignorá-lo, como se as fotos fossem feitas em círculos.
As fotos resultantes simulam uma rotação em torno do objeto (Fig. 4), elas são copiadas e coladas em um diretório com apenas essa sequeência, seguindo as observações disponíveis em Como Organizar os Arquivos.
Resultados da Fotogrametria¶
Para este estudo digitalizamos as arcadas nos três sistemas de fotogrametria oferecidos pelo OrtogOnBlender: OpenMVG, SMVS e MeshRoom.
Não houve grande diferença visual entre as três fotogrametrias (Fig. 5). Em ordem vemos o modelo gerado pelo OpenMVG (à esquerda), SMVS (centro) e MeshRoom (à direita).
Houve uma pequena diferença na superfície da digitalização feita pelo OpenMVG por conta do valor do Smooth Factor que ficou em 2, o que foi corrigido na imagem de exemplo (Fig. 6) com a ativação do modificador Smooth no valor do Repeat em 12, assim os modelos ficaram ainda mais parecidos, mostrando que fotos feitas corretamente garantem bons resultados em sistemas distintos de fotogrametria.
Uma informação importante antes de seguirmos com mais explanações é sobre os pontos utilizados para o redimensionamento do modelo. Como se trata de uma estrutura pequena é importantíssimo tomar os pontos mais extremos possíveis.
No caso da arcada usada neste documento, optou-se por um ponto na gengiva, logo atrás do molar e outro entre os incisivos, totalizando 56,5 mm (Fig. 7).
Dica
O usuário pode fazer dois pequenos pontos com uma canetinha de cor diferente, para posteriormente posicionar os marcadores de dimensão em um local compatível com a medida inicial.
Aviso
Não use medidas pequenas como 10 mm (1 cm) ou 20 mm como referência. Quanto menor a distância de referência, maior poderá ser a margem de erro no redimensionamento!
Preparo para a Comparação¶
Para termos uma ideia da precisão da fotogrametria optamos por compará-la ao escaneamento intraoral, posto que o mesmo se trata de um modelo bastante fiel a estrutura original (Fig. 8).
O escaneamento intraoral foi efetuado na arcada completa com todos os dentes e a prótese. Já o modelo, foi feito sem a Próstese de um dos molares (Fig. 9).
Ao alinharmos as fotogrametrias ao escaneamento intraoral, as partes faltantes ficam evidentes (Fig. 10).
Para contornar a situação, foi citado um elemento limitador contemplando uma região que abordava todas as malhas (Fig. 11).
Em seguida separou-se a mesma região de todas as malhas usando a booleana Intersect (Fig. 12). Todas as malhas foram então exportadas como .STL para serem comparadas no CloudCompare.
Comparação das Malhas¶
Para comparar as malhas foi utilizada a limitação de distância de +0,30 e -0,30 mm, ou seja, menos de um terço de milímetro. Tudo o que estivesse fora estes limites foi excluído como explicado em Como Funciona a Comparação de Malhas 3D.
Na primeira comparação do OpenMVG vs. Scanner (Fig. 13) vemos que no geral a diferença acabou tendendo a zero, como apresentado no gràfico à direita, no entanto houveram uma série de falhas na gengiva e em algumas partes não traçadas dos molares.
Na imagem em topo (Fig. 14) vemos que a maioria das regiões dos dentes que excederam os 0,30 mm de diferença estavam “para fora” dos limites da peça de referência, como é atestado pela cor vermelha. Isso acontece porque o algoritmo de fotogrametria tem uma certa dificuldade de reconstruir arestas, tendendo a atenuar a estrutura e não documentar completamente alguns acidentes da superfície. Já na região da gengiva a malha gerada estava “para dentro” da referência, por isso a cor azul.
Para entender melhor o que isso significa, criamos um modelo de caixas sobrepostas e o pigmentamos com uma textura plena de contrate, de modo a ser facilmente digitalizado por fotogrametria (Fig. 15). Esse modelo (primeiro à esquerda) foi fotografado digitalmente, através do processo de renderização. Em seguida as imagens resultantes foram digitalizadas em 3D por fotogrametria resultando em três outra malhas, da esquerda para a direita: OpenMVG, SMVS e MeshRoom.
A textura serviu apenas para facilitar a fotogrametria, ao retirarmos a visualização da mesma, podemos contemplar apenas a estrutura de cada uma das malhas e analisar a sua precisão (Fig. 16).
O modelo de teste é composto por 5 caixas sobrepostas (FIg. 17), reduzidas sequêncialmente para 30% do tamanho anterior, de modo que a primeixa caixa tenha os lados com 20mm e a última com 0,54 mm, ou seja, um pouco mais de meio milímetro. O objetivo do experimento é termos um elemento de controle para comparar com as fotogrametrias.
Ao contemplarmos as porções de menores dimensões (Fig. 18), podemos ter uma ideia dos limites de precisão das fotogrametrias. Da esquerda para a direita: Original, OpenMVG, SMVS e MeshRoom.
Ao compararmos as malhas alinhadas (Fig. 19) podemos ver claramente que há uma tendência das fotogrametrias acompanharem a forma geral, ainda que extrapolem as mesmas em alguns pontos. O destaque aqui fica por conta da malha gerada pelo OpenMVG+OpenMVS, que segue bem a forma original a ponto de confundir-se com a mesma na maior parte da estrutura, até chegar no pequeno elemento da parte superior, onde evidentemente não há resolução suficiente na digitalização, mas mesmo assim aproximou-se mais do que as demais soluções. Outra característica a ser observada é o leve arredondamento nas arestas em cantos retos. Isso não é um problema quando o objeto é grande, mas fica evidente nas partes menores, como vimos acima.
Continuando com a peça do OpenMVG (Fig. 20), foi atribuído a ela o modificador Smooth e comparada novamente com o escaneamento intraoral. Os resultados foram praticamente os mesmos da fotogrametria normal, ou seja, atribuir o modificador pode melhorar a aparência da peça, sem comprometer a sua precisão.
O resultado da fotogrametria com o SMVS apresentou resultados muito parecidos com o a do OpenMVG, com alguns buracos no pré-molar por conta da extrapolação excessiva da malha (Fig. 21).
A mesma situação ocorreu com o MeshRoom, ao apresentar falhas no pré-molar (Fig. 22).
Melhorando a Precisão da Fotogrametria¶
A tomada de fotogrametria apresentada anteriormente seguiu o protocolo simples de digitalização de objetos, isso significa que foram feitas mais ou menos 72 fotos em duas alturas diferentes, mantendo a mesma distância do objeto fotografado.
Se por um lado o protocolo se destaca pela sua simplicidade e bons resultados gerais, por outro pode apresentar problemas quando utilizado em superfícies complexas e com pequeno detalhes, como é o caso do modelo utilizado neste estudo.
Em face deste problema, haveria uma forma de melhorar os resultados e gerar uma malha mais compatível com o elemento original?
Sim e a chave para a solução mora justamente na forma de se fotografar o objeto.
Se analisarmos a malha de controle utilizada anteriormente (Fig. 23), atestaremos que a mesma se trata de 5 caixas sobrepostas. Olhando mais de perto veremos que além de se tratarem da mesma estrutura (caixa) também contam com a mesma textura (padrão colorido), isso significa que é a mesma caixa copiada, reduzida e centralizada.
Ao observarmos o resultado da fotogrametria do OpenMVG (Fig. 24) vemos que o modelo ficou bem digitalizado nas partes inferiores onde as caixas são maiores, mas foi perdendo resolução na parte superior. Como explanado anteriormente, o protocolo de fotogrametria é feito em círculo mantendo o smartphone na mesma distância de modo a enquadrar o objeto, logo, os detalhes do mesmo podem não ficar muito visíveis nas fotos. Não tendo boa visibilidade a reconstrução pode ser feita sem muita resolução, posto que o algoritmo não terá informações suficientes para a reconstrução!
Qual seria a solução para esse problema?
A solução é fotografar mais de perto, não apenas a região de interesse da arcada e gengiva, mas também alguns dentes.
Na tomada com o protocolo simples (Fig. 25) o objetivo é enquadrar todo o objeto, ao fazer isso o algoritmo reconstruirá não apenas a região de interesse, mas toda a estrutura, reduzindo a resolução dos elementos menores e dos próprios dentes.
Nas novas tomadas as fotografias são feitas mais próximas à região de interesse, utilizando o zoom do equipamento (Fig. 26).
Além das duas rotações gerais o usuário pode fazer pequenas outras rotações, como nos molares (Fig. 27) e pequenos arcos em torno de estruturas de interesse específicas.
Para essa fotogrametria foram feitas 116 tomadas que levaram um tempo total de 2 minutos e 11 segundos, um pouco mais do que 1 minuto e 52 segundos da tomada inicial com 64 fotos.
O modelo resultante, a partir do OpenMVG apresentou uma significativa melhora de detalhes (Fig. 28).
O detalheamento é evidenciado quando comparado com o cálculo anterior (à direita) com menos fotos (Fig. 29). Até o pino do primeiro molar, que não era foco do escaneamento foi digitalizado com significativo incremento de resolução.
Ao compararmos o modelo da fotogrametria com o proveniente do escaneamento intraoral, já não vemos as falhas nos pré-molares e molares (Fig. 30).
As perfilarmos as comparações de malhas (Fig. 31) vemos que a tomada de 64 fotos mais distantes tinha uma gráfico de distanciamento mais distribuído (à esquerda), já a comparação com o modelo proveniente das 116 fotos próximas gerou um gráfico com distanciamento menor com mais resultados próximos ao zero.
Para ilustrar melhor o ocorrido, basta alinhar os dois gráficos (Fig. 32). Na parte superior temos o modelo proveniente as 64 fotos, perceba que o gráfico das diferenças está mais distribuído ao longo do +0.30 e do -0.30 mm. Já o gráfico do modelo proveniente das 116 fotos próximas tem uma maior concentração de distâncias em espaços menores, isso significa que o modelo é mais compatível com o escaneamento intraoral.
Como a digitalização mostrou-se mais compatível com o modelo proveniente do escaneamento intraoral, esperava-se que os dentes não apresentassem falhas ocorridas anteriormente, com as 64 fotos. No entanto, é possível verificar que elas ocorreram em um dos incisivos e as mesmas não estavam presentes na fotogrametria anterior que contava com menos precisão (Fig. 33).
O fato é que as falhas atestam a precisão do escaneamento (Fig. 34). Ao analisarmos mais de perto o modelo de gesso, percebemos pequenas bolhas e estas foram capturadas pela fotogrametria! Basta lembrar que o escaneamento intraoral está completo e que as bolhas foram criadas no momento da colocação do gesso, por isso a falha. A bolhas excederam o limite de 0,30 mm proposto na comparação.
Conclusão¶
O presente estudo evidencia a possibilidade de uso da fotogrametria na digitalização de modelos de arcadas dentárias utilizando tecnologia acessível a um grande número de indivíduos. O protocolo proposto para uma maior precisão envolve também um número maior de fotos, mais próximas a área de interesse geral, bem como de regiões específicas. Ao final o tempo da tomada não aumenta consideravelmente quando comparada com o protocolo simples de duas voltas, viabilizando a abordagem detalhada. Em trabalhos que demandam um grande número de digitalizações o processo de captura pode ser delegado a um disponsitivo automático baseado em Arduino ou tecnologia afim.
Agradecimentos¶
Agradecemos a Clínica Santa Isabel por proceder com o escaneamento intraoral que viabilizou a publicação deste estudo.