Australopithecus afarensis: O diário de uma reconstrução

Australopithecus afarensis, reconstrução facial forense

For who speaks English, please see this post: http://arc-team-open-research.blogspot.com.br/2013/01/australopithecus-afarensis-forensic.html

O Australopithecus afarensis foi um hominídeo (extinto) que viveu há mais ou menos entre 4 a 2 milhões de anos atrás.

Etapas da reconstrução facial forense

Seu comportamento bípede e sua aparência de macaco são duas características bastante intrigantes para quem aprecia ou simplesmente nutre curiosidade no estudo da evolução humana.

Nesse post vou contar um pouco da minha aventura de reconstrução facial desse nosso ancestral. O texto será um pouco extenso, pois tem a dupla tarefa de documentar os passos e servir como base a quem deseja se embrenhar nesse campo de arte e não sabe bem por onde seguir.

Obtenção dos dados

Como ficou evidente nos últimos posts, tenho estudado bastante o escaneamento 3D apartir de fotografias. O obtenção de malhas 3D feitas dessa forma e voltada para a área forense, tem a vantagem de dispensar o uso de tomografia computadoriada, o que agiliza e barateia o processo.

Para se fazer um bom escaneamento é necessário lançar mão de boas fotografias. Felizmente tive a sorte de receber a ajuda de um arqueólogo excelente, tanto como profissional quanto como ser humano, que viabilizou esse, e quicá, outros posts ao me enviar um conjunto fantástico de fotografias, tiradas com qualidade e cuidado, perfeitas para a conversão em 3D. Desse modo, deixo aqui o meu agradecimento ao Moacir Elias Santos, do Museu Egípcio e Rosacruz, de Curitiba-PR.

Dentre as muitas espécies das quais recebi fotografias, decidi trabalhar primeiro no crânio do Australopithecus afarensis, por conta da sua semelhança com a criança de Taung, a qual reconstruí em conjunto com o pessoal do Arc-Team e Antrocom, ambos da Itália.

Inicialmente achei que não poderia trabalhar nas fotografias, pois estando na casa da sogra (literalmente) e sem o meu micro, resolvi testar a reconstrução via PPT… sem sucesso. Atribuí esse erro ao programa, pois testei em dois computadores da com sistemas operacionais diferentes e o escaneamento não foi bem sucedido.

Atribuí o erro ao fato das fotografias terem sido tiradas com um ponto de luz fixa e as caveiras em uma mesa rotativa, o que gerou iluminação diferente entre as fotografias.

Primeira tentativa de escaneamento feita com o 123D Catch rodando sob Wine

Em face disso, para tirar as dúvidas, fiz uma reconstrução usando o 123D Catch rodando sob Wine. Ela se mostrou bem sucedida, como podemos ver na imagem acima. Mas como bom usuário Linux e adepto ao código aberto, resolvi tentar outras opções e estudar um pouco mais acerca dessa tecnologia.

Pesquisei por horas procurando uma alternativa até que encontrei o StereosScan da Agisoft. O que me chamou a atenção é que ele conta com o um pacote .deb para a instalação. Não é um spftware livre, mas é muito bom ver que as empresas estão desenvolvendo para o Linux.

A proposta do software é a seguinte, você tira duas fotografias, uma representa o olho esquerdo e outra o olho direito. Essas fotografias são enviadas ao programa que calcula o deslocamento e com os dados das duas imagens ele recria uma malha 3D com o máximo de detalhes possível. Tudo de forma automática, o que é bastante assustador, pois funciona muito bem.

Obs.: Não posso deixar de citar que o Alvaro Justen havia me mandado um e-mail há meses mostrando-me um software que fazia a mesma coisa que StereoScan, mas rodava no Android.

Testei o software (StereoScan) com as fotos recebidas e vi que realmente ele funcionava. Não era como o PPT que usava todas as fotografias, mas a aparentente limitação de duas fotografias por vez poderia ser contornada, bastava reconstruir a malha ao estilo Jack o estripador… por partes.

Segunda tentativa de escaneamento por fotografia utilizando o StereoScan, perceba as diferenças de tom na textura

Foi o que fiz. Inicialmente criei 46 malhas. Quase travei o computador da noiva juntando tudo no início, mas depois que peguei o jeito e testei com outro crânio, ví que bastava fazer apenas 8 malhas para cobrir a área toda… vivendo e aprendendo.

Apesar da reconstrução ficar excelente no quesito malha 3D, a texturização ficou bastante confusa. Nada que não seja resolvido com edição, mas seria mais trabalho depois daquele de montar a malha principal com pedaços.

Mesmo resolvendo o problema, eu ainda não estava satisfeito, pois o fizera de forma não aberta. Sempre que posso gosto de resolver tudo com software livre e o fato não tê-lo feito me deixou um tanto chateado. Em face disso, entrei em contato com os desenvolvedores do PPT GUI, Luca e Alessandro Bezz (do Arc-Team e do ArcheOS) relatando a eles o acontecido e enviando as fotografias.

Tentaiva bem sucedida de reconstruir o crânio com software livre (PPT GUI). Esse acabou sendo a base da reconstrução facial forense

Para a minha surpresa recebi o e-mail de volta com o modelo reconstruído. Eles me falaram que estava tudo em ordem com as fotografias. Como eu já havia voltado para casa, testei as fotos no PPT GUI do meu micro (Ubuntu 12.10) e funcionou! Creio que o problema deveria ser em alguma biblioteca dos computadores usados anteriormente… ou foi praga de sogra mesmo (brincadeira, amo a minha sogra).

Reconstrução facial forense

Para reconstruir a criança de Taung, também um Australopithecus (africanus), eu havia utilizado tomografias de outros primatas como o Gorilla gorilla (gorila) e o Pan Toglodytes (chimpanzé). Também lancei mão de várias fotografias e artigos acerca da anatomia de primatas.

Segui a mesma linha na modelagem do homonídeo desse artigo, mas decidi incrementar a precisão anatômica fazendo algo novo.

Antes de começar a trabalhar com reconstrução facial forense eu imaginava que a única forma de se conseguir aproximar da estrutura de um primata extinto era usar um análogo moderno (primata moderno) e deformar a estrutura dele até que se encaixasse ao antigo, mostrando um pouco do que poderia ser a sua volumetria.

Fiquei feliz ao ver que minha pretenção nãp era uma furada, quando lí o capítulo Automatic 3D facial reconstruction by feature-based registration of a reference head do livro Computer-graphic facial reconstruction (Elsevier).

Malha da pele reconstruida no InVesalius e importada no Blender
Material trnasparente aplicado na pele para que seja possível a visualização do crânio
Modificador Lattice aplicado ao crânio do chimpanze, a pele está oculta, mas também será deformada pelo modificador
Crânio do chimpanzé deformado de modo a ter o mesmo aspecto de Australopithecus afarensis

A ideia, grosso modo, é usar o crânio e a pele de uma animal moderno, devidamente reconstruídos em 3D, e deformar os dois elementos, mas visualizando apenas os crânios, até que o animal moderno tenha o seu crânio deformado parecido com o antigo.

Resultado da deformação sobre a pele do chimpanzé
Modelagem da pele do Australopithecus afarensis, em cinza, seguindo a referência da malha deformada

Depois disso, ao se visualizar o tecido mole, o que se espera é que seja um animal compatível com a aparência do antigo. Evidentemente que não se trata apenas disso, pois é necessário se ajustar alguns elementos anatômicos. Também não se pode usar apenas um animal, pois em virtude da diferença da evolução, algumas espécies adquirem características inerentes a diferentes espécies.

A modelagem seguiu sem nada diferente do que fora explanado nos posts anteriores.

Conclusão

Escrevi esse material com o propósito de demonstrar um pouco de como o processo de modelagem se desenvolve e como aparecem uma série de problemas que são contornados graças a flexibilidade e opções de ferramentas, livres ou não. No caso do Australopithecus afarensis, felizmente tudo se resolveu com software aberto, mas nem sempre é assim.

Outro fator que me motivou a escrever esse artigo, foram as dúvidas da veracidade científica que as pessoas têm em relação a reconstrução facial forense. Como visto aqui, uma série de precauções são seguidas, podem não ser as melhores e mais atentas aos crivos oficiais e formais, mas é uma iniciativa que caminha para um bom desfecho. Além do mais, o trabalho está aberto a obervações que especialistas que desejam contribuir com o seu desenvolvimento.

Espero que você tenha gostado dessa breve explanação. Um grande abraço e até a próxima!


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