Introdução
A arte ajuda ao homem suportar as agruras das vida em vários campos. A música nos oferece uma sensação de controle frente ao caos da existência. A literatura nos permite viajar pela história da vida de pessoas fictícias, pessoas reais e um pouco na própria história de quem escreve. A pintura há séculos nos tem feito vislumbrar mundos fantásticos e inacessíveis, ao passo que tornou fantástico elementos do nosso dia-a-dia, ao valorizar ou empobrecer os tons, ao fazer brilhar ou tornar opaco um olhar.
Já a ciência, se tornou o baluarte da razão e da verdade. Derrubando, meio que sem querer, mitos enraizados na história com os golpes da evidência. Ela nos presenteou com a cura dos medos inerentes a muitos males que a nossa civilização temia, entre esses muitas doenças que inexoravelmente ceifavam vidas. Nos presenteou com a elucidação dos temores que alimentávamos frente a fenômenos. Esses que do dia para a noite foram explanados ricamente por aqueles que levavam a ciência no coração e principalmente no cérebro.
Ao que parece essas duas, ciência e arte são duas facetas de um antagonismo. De um lado o devaneio existencial e de outro o pragmatismo frente a tudo e a todos.
Se enganam porém os que assim resumem, pois as duas são quase irmãs e gozam de uma excelente relação desde que tangenciaram suas história num ponto remoto e talvez indefinido do passado.
Não será abordada aqui a história da arte e da ciência, mas sim, a breve explicação de uma pequena parte de uma das filhas dessa relação… a Arte Forense.
Arte Forense
A Arte Forense, segundo Taylor 2001 é dividida em Composição de Imagens, Modificação de Imagem, Demontração de Evidências e Reconstrução e Identicação Postmortem. A última interessa a esse artigo, pois é dentro dela que está a Reconstrução Facial Forense. Mas o que vem a ser essa técnica? Wilkinson (2004) nos dá uma boa definição:
Reconstrução facial é uma arte científica de construção de uma face sobre uma caveira com o propósito de identificação individual.
Basicamente, existem três formas de reconstrução facial forense:
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Desenho 2-D (bidimensional);
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Modelagem 3-D clássica;
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Modelagem 3-D com computação gráfica.
Antes de abordar os métodos, é interessante saber um pouco da história dessa arte científica.
Breve História da Reconstrução Facial Forense
O interessante é notar que não é de hoje que o ser humano tem o hábito de modelar faces sobre caveiras. Ainda que com outro propósito que não o científico, essa arte era praticada há centenas de anos atrás, uma rápida pesquisa sobre “over-modelled skull” no Google/Bing Images nos oferece uma imensa gama de resultados.Na vanguarda da união de arte com ciência, o exemplo mais notável é a do artista italiano Gaetano Giulio Zumbo (1656-1701) que produziu modelos assustadoramente realistas de corpos em decomposição ou acometidos por alguma doença degenerativa. Um exemplo célebre de sua arte é a chamada Anatomia di testa maschile ou simplesmente Testa dello Zumbo, onde repousa a cabeça de um homem com detalhes internos da estrutura anatômica a mostra.
Nos livros mais conhecidos acerca de reconstrução facial forense um dos exemplos mais antigos de tentativa científica de implementar essa arte aparece através do anatomista suiço Wilhelm His, que em 1895 depois de fazer a medição da profundidade do tecido mole em alguns cadáveres reconstruiu a face do compositor Johann Sebastian Bach munido de uma reprodução da caveira dele.
Uma característica das primeiras tentativas de reconstrução mora no número pequeno de cadáveres estudados para que fosse levantada a média dos chamados tissues depths, grosso modo a medição da profundidade do tecido mole em pontos estratégicos do rosto.
Com o tempo um número maior de pesquisadores se mobilizaram para fazer esse levantamento com mais precisão e com uma amostra significativamente maior, tanto de pessoas como de tipos raciais.
Essas medições são importantes ao se trabalhar com a reconstrução facial forense com o intuito de identificação. Elas permitem que a face seja reconstruída com a média de profundidade da população, aumentando a chance de sucesso ao passo que atesta a sua autenticidade científica.
Mas nem só de medições vive a arte forense. Apesar de tardiamente conhecido no ocidente, em parte pela dificuldade de se traduzir sua obra escrita em 1949, o russo Mikhail M. Gerasimov (1907-1970) é uma figura obrigatória nos compêndios de história da arte forense.
Gerasimov desenvolveu um método bastante eficaz para reconstruir faces, modelando músculo por músculo e chegando a resultados surpreendentes, como o caso da identificação de Valentina Kosova (1940).
O método de reconstrução de Gerasimov acabou conhecido como método russo. O chamado método americano foi desenvolvido a partir do trabalho do antropologista Wilton Krogman que o descreveu em 1946. Betty Pat. Gatliff foi a pioneira na utilização forense dessa técnica e ficou internacionalmente conhecida por suas contribuições que iniciaram no ano de 1967 quando fez a sua primeira reconstrução.
Existe ainda o Manchester method, que está entre o russo e o americano, pois utiliza a reconstrução músculo a músculo de um e o pragmatismo científico da profundidade de tecido do outro. Seu desenvolvedor primo foi o medical artist britânico Richard Neave no início da década de 1970 na universidade de Manchester, Inglaterra.
Para aqueles que desejarem se aprofundar no conhecimento dos métodos descritos, existem obras célebres que tratam deles de forma acessível e bem explanada. No campo russo é possível encontrar o livro The Face Finder (1971) onde a técnica é descrita em inglês. O método americano é representado pelo livro Forensic Art and Illustration (Taylor 2001) e o método Manchester pela obra Forensic Facial Reconstruction (Wilkinson 2004).
Esses três livros tratam da reconstrução facial no modo clássico, ou seja, modelado fisicamente, com argila ou outro material sintético.
No entanto, ao contrário do que muitos dizem, a modelagem física não é algo ultrapassado, mas apenas uma das muitas maneiras de se modelar uma face.
Como vivemos na era da informática e da internet, nada mais evidente do que o artigo tratar da reconstrução digital de faces. Mais do que isso, será explanado o funcionamento desse método lançando mão de software gratuito e livre. Isso significa que qualquer pessoa com uma conexão de internet e uma boa dose de vontade de aprender pode ter acesso a tecnologia necessária para efetivar sua própria reconstrução facial forense.
Reconstrução Facial com Software Livre
Esse artigo é voltado para neófitos nas áreas de reconstrução forense e computação gráfica. Dessa forma, as explanações buscarão trazer à luz da compreensão alguns conceitos desconhecidos e outros até temidos para quem está nos primeiros passos em se trabalhar com gráficos 3D no computador.
Inicialmente precisamos vincular as ferramentas virtuais com correspondente do mundo real, fazendo com que você, leitor, fique ao menos mentalmente familiarizado com as necessidades básicas inerentes a modelagem 3D.
Para que modelemos algo no mundo real, precisamos antes de tudo, ter olhos (ainda que existam artistas que dispensam o sentido da visão) para ver o local de trabalho e o objeto a que trabalharemos. No mundo virtual, nós temos ou a tela do computador que são nossos olhos, ou uma câmera virtual que olha por nós.
Resolvido o problema da visualização, temos a necessidade de nos deslocar no espaço para observar o que estamos fazendo. Precisamos caminhar de um lado ao outro, olhar de baixo a cima o nosso modelo, para ver se a sua superfície está corretamente criada. No computador, nos recorremos aos comandos de observação. Podemos nos aproximar e afastar (zoom), deslocar a visão pela cena quando ela é muito grande (pan), olhar de baixo a cima o objeto (orbit) e centrar nossa observação no objeto de trabalha (center zoom).
Se você dominar esses comandos básicos, já conseguirá fazer coisas impressionantes no mundo 3D, por incrível que pareça, o básico é a chave da excelência. Praticamente todos os programas que trabalham com 3D contém os comandos descritos acima. Uma vez que você já tem os olhos, pernas e as mãos (representadas pelo mouse) é necessário levantar os objetos necessários para a reconstrução facial.
Toda reconstrução facial forense precisa de uma caveira. A questão é, como portar uma caveira para o computador?
Existem muitas técnicas dentre as quais três delas serão descritas.
A primeira diz respeito a tomografia computadorizada. Ao se fazer uma tomografia é gerado uma sequência de arquivos de imagens com os dados do paciente e a distância dos cortes.
Na imagem vimos uma sequência sagital, grosso modo uma sequência de fatias laterais da cabeça de uma múmia.
A parte interessante é que ao importar uma sequência com várias imagens, podemos visualizar não apenas os cortes de lado como vimos na imagem acima, mas também cortes de cima a baixo e de frente para trás.
Se olharmos com um pouco de cuidado fica evidente que a parte mais clara das imagens é onde se encontra os ossos da múmia. Assim, quanto mais escura a parte da imagem, mais mole é o tecido. Quanto mais clara, mais duro é o tecido.
Isso nos permite filtrar a área de interesse e gerar uma malha em 3 dimensões apenas daquela área desejada, nesse caso os ossos.
Uma vez que os ossos da caveira foram criados já temos a base para a reconstrução da face.
Mas antes de continuar com o processo, é necessário que seja explanada a outra forma de se conseguir uma caveira, pois nem todas as instituições tem dinheiro ou estrutura para fazer tomografias computadorizadas.
Essa outra maneira de se conseguir uma caveira necessita de uma máquina fotográfica ou uma filmadora digital.
A fotogrametria, é uma técnica que usa o deslocamento de imagens fotografadas para tirar medidas espaciais em três dimensões. Nesse caso ela é usada para reconstruir o objeto fotografado ou filmado e é conhecida como SfM (Structure from Motion).
Alguns cuidados precisam ser tomados para que as fotos sejam convertidas em 3D com qualidade. É essencial que as fotos sejam tiradas em um ambiente com a iluminação controlada e que o ponto de iluminação não mude de lugar.
As duas técnicas anteriormente explanadas fazem uma reconstrução bastante precisa das caveiras, pois usa dados de medição objetivos para tal.
A terceira forma de modelagem é talvez a mais subjetiva, pois está quase que inteiramente nas mãos do artista. Muito utilizada na área de computação gráfica, é uma modelagem baseada em imagens. Geralmente usa-se imagens de frente e de lado, mas nesse caso pode-se utilizar como complemento de precisão imagens vistas de cima e de baixo.
Cada uma das técnicas tem seus prós e contras e cabe a cada instituição, artista ou situação definir qual será a escolhida.
Uma vez que a caveira foi adquirida virtualmente é o momento de passar a outra fase da reconstrução facial forense. E isso implica em trabalhar com vários programas ao mesmo tempo. Felizmente, além de compartilhar os comandos de visualização, os programa de 3D também “conversam” entre eles, por conta da especialidade de cada um.
Grosso modo, assim como na área forense existe o investigador, o antropólogo, o dentista e o artista forense e muitos outros, cada um com a sua expertise, na área da informática existem os programas específicos para cada tarefa.
No caso da conversão em imagens (tomografia e câmera) em uma malha com os dados dos ossos do crânio, foram utilizados programas que basicamente trabalham apenas nisso. Nesses programas não é possível, por exemplo, modelar o rosto da vítima, ou mesmo pintar a sua pele ou colocar cabelos nela.
Apesar de parecer uma limitação a primeira vista isso é muito bom, pois o programa “foca” em poucas atividades e as faz com maestria.
Como temos as caveiras e podemos envia-las a outros programas, precisamos de um que nos permita modelar o rosto e dar vida a ele.
Esse é o papel do programa de modelagem e animação 3D. Uma opção de código aberto e gratuito muito popular é o Blender 3D.
O InVesalius, programa que converteu a tomografia em uma malha 3D fez o trabalho com qualidade. Porém, a múmia, com o decorrer de centenas de anos de exposição ao clima acabou “abrindo” o maxilar. Isso dificulta o trabalho de reconstrução, que classicamente é feito com os dentes inferiores e superiores encostados.
A especialidade do Blender é a edição de modelos 3D, assim pode-se selecionar a área do maxilar, isolá-la e rotacionar até que se encaixe a posição desejada.
Assim a caveira estará preparada para receber as referências do nível do tecido mole.
E uma vez que os níveis de tecido foram posicionados juntamente com os olhos, é chegado o momento de modelar os músculos do rosto, seguindo o método Manchester.
Com os músculos concluídos, o momento de modelar a parte final da face é chegado.
O método americano é considerado bastante prático, pois dispensa a modelagem músculo a músculo como no caso inglês e russo. Isso possibilita ao artista e aos demais profissionais envolvidos, aplicar os conhecimentos anatômicos diretamente na “casca” superficial da face.
Isso pode ser bastante vantajoso para aqueles que estão iniciando na arte da reconstrução facial forense, pois irão diretamente para a parte final da modelagem, podendo focar seus estudos nas proporções faciais ao invés de estudar também a disposição dos músculos que ficarão ocultos no final do processo.
Como foi pontuado no início das explanações acerca de modelagem 3D, alguns conhecimentos básicos e práticos de ferramentas simples já são o suficiente para que o artista ou aspirante a artista 3D consiga fazer um trabalho interessante.
Modelar em três dimensões não é um trabalho banal, mas não significa que é inalcançável. Na verdade tudo se resume a prática, método e experiência.
O Blender e outros programas que servem as necessidades de modelagem e animação, já contam com uma série de ferramentas que facilitam muito a vida de quem trabalha na área.
Um fato notório a se pontuar é que a maiora da tecnologia empregada nos métodos que estão sendo mostrados foram desenvolvidas nas décadas de 1970 e 1980. Ou seja, há muito cientistas, pesquisadores e artistas estão melhorando continuamente os processos, tornando a computação gráfica acessível ao maior número de pessoas.
O 3D só foi possível nessas décadas por que a criatividade e a economia de memória e processamento viabilizaram a sua existência.
As pessoas que nunca trabalharam com um programa de modelagem e animação, tendem a achar que para se modelar alguma coisa, é necessário se comportar estritamente como no mundo real. No caso da modelagem forense, imagina-se a pessoa precisará pegar uma argila ou massinha virtual e modelar a face sobre a caveira. Não que isso não seja possível, o Blender inclusive conta com ferramentas de escultura, Porém na prática a modelagem ocorre de modo diferente, sempre pensando na facilidade de gerenciamento dos modelos e na tranquilidade mental do artista.
Quase todos os softwares de modelagem 3D contam com as chamadas primitivas 3D.
Essas primitivas 3D são uma série de formas simples, utilizados como componente de uma cena mais complexa ou mesmo como estágio inicial como no caso das modelagens orgânicas.
Quem trabalha com modelagem 3D tem os olhos treinados para ver as primitivas em objetos do dia a dia. Uma caixa de presente pode ser um cubo, uma caneta é formada por um cilindro e um cone. Um papel sobre a mesa é uma plano e assim por diante.
Esses objetos podem ser editados em sua estrutura, gerando deformações que ampliam as possibilidades de modelagem.
Na imagem onde aparece um prédio, vemos que a estrutura da primitiva cubo foi alterada, para que ela tomasse a forma básica da edificação. Além disso, o mesmo cubo foi utilizado nos outros elementos da obra. Os comandos de copiar e mover utilizados na modelagem funcionam da mesma maneira que nos outros programas, sejam editores 3D ou mesmo editores de texto como o World e o LibreOffice, ou seja, grande parte do conhecimento necessário para se modelar tridimensionalmente o usuário padrão de um microcomputador já tem!
As primitivas são muito úteis e extremamente necessárias para praticamente qualquer modelagem. Mas como fazer uma primitiva simples como um plano por exemplo, se converter em um objeto mais complexo e organicamente arredondado como uma cumbuca para tomar sopa?
Nesse caso entram em cena os chamados modificadores. Eles são comandos próprios para alterar a forma do objeto sem perder os dados originais de sua modelagem.
No caso da cumbuca, além de deformar a estrutura base do objeto, é necessário criar alguns cortes na estrutura para que ela vá se adequando de forma coerente ao objeto desejado.
A última etapa da modelagem (passo 24) envolveu a aplicação de um modificador chamado Subdivision Surface, desenvolvido no ano de 1978. Ele converteu um objeto quadriculado em algo arredondado.
Como foi dito, a estrutura básica do objeto se mantém a mesma, mas a sua aparência toma outro aspecto. A aplicação do modificador pode ser feita em vários níveis até que fique a contento do artista.
Mas o modificador sozinho não faz milagre, isso por que um número excessivo de níveis de subdivisão pode fazer o computador ficar muito lento. É aí que entra um comando chamado “Smooth”. Ele alisa a superfície, como se lixasse ela. Veja na imagem que o objeto tem as suas faces visíveis no modo Flat e que ao ser aplicado o Smooth elas somem. Porém, a estrutura do objeto ainda é formada por um número limitadíssimo de subdivisões como vemos em Smooth + Wire.
Essa explicação é necessária, para que o leitor compreenda que o que ele vê finalizado e com aparência complexa.
Trata-se na verdade uma estrutura muito mais simplificada. É essencial que a estrutura permaneça assim para que seja fácil gerenciá-la ou alterá-la se necessário.
O leitor, já cansado de ler, deve estar se indagando acerca da ligação desses conceitos com a arte forense e sobre o que tem a ver um com o outro. Vamos a explicação.
Na foto temos três indivíduos, com altura, raça e sexos diferentes. A estrutura física de um é claramente diferente do outro.
Mas mesmo se tratando de pessoas diferentes e com estruturas diferentes, elas partilham a mesma forma de serem modeladas em 3D.O mais interessante é que para dar volume a uma face humana não é necessário colocar uma infinidade de pontos e subdivisões no seu rosto.
Tecnicamente, lançando mão de poucos pontos, posicionados de forma estratégica, pode-se modelar qualquer tipo de pessoas, seja ela caucasiana, mongoloide ou negroide, seja ela magra, de forma física média ou obesa.
Uma vez que os pontos foram definidos, modelar a parte frontal da cabeça se torna uma tarefa bastante acessível, mesmo para aqueles que estão iniciando na arte de modelagem facial.
Para essa fase da modelagem, um modificador chamado Mirror é ativado, fazendo com que o artista necessite modelar apenas um lado da cabeça, pois o outro se montará automaticamente de forma espelhada. A assimetria é tratada apenas quando a modelagem básica for finalizada, facilitando em muito a vida do artista.
A parte mais complexa é a modelagem da orelha, mas quem modela uma face conseguirá modelar uma orelha sem maiores problemas. Por se tratar de uma peça pouco previsível na área de reconstrução, a orelha pode ser importada de outros arquivos já prontos e levemente alterada, dispensando a sua modelagem a cada novo trabalho. O mesmo pode ser dito dos olhos, pois como veremos adiante, para alterar a cor dos olhos basta alterar o arquivo de imagem atrelado a ele.
Voltando a múmia, é o momento de modelar a pele que sobre o rosto. Não é preciso dizer que a configuração dos olhos, lábios e da sobrancelha deve seguir as premissas dos artigos e técnicas de reconstrução escolhidas.
Terminado o básico da face é chegado a hora de criar uma textura ou “pintá-la”. Uma das vantagens da computação gráfica é que não há a necessidade de você ter conhecimento em pintura digital para fazer uma boa textura facial.
Existem muitas formas de se criar texturas no Blender. Em uma delas, nós encapamos ou projetamos uma imagem na malha. No caso da face mostrada anteriormente, lançamos mão da fotografia frontal para projeta-la na malha (A). Temos uma visão de como o mapeamento se comportou (B). Na parte frontal ele encaixou perfeitamente, mas bastou rotacionar o rosto um pouco (C) para ver que a projeção continuou até a parte de trás, também tomando um aspecto desagradável nos lados do rosto. Ou seja, na frente e um pouco lateralmente o mapeamento pela projeção frontal ficou bom, lateralmente não ficou tão agradável e na parte de trás não obteve um bom resultado.
Em outra camada é possível fazer uma projeção de mapeamento pela lateral (A). Ao rotacionar a cabeça podemos acompanhar o comportamento do mapa (B). A projeção se encaixou muito bem na lateral e na parte de trás, tomando um aspecto desagradável na parte frontal (C).
Além de criar camadas diferentes para a projeção de mapeamento (A), o Blender permite que seja criada ainda uma outra camada com a seleção das áreas que melhor se encaixam na malha em questão (B) garantindo que o resultado fique o mais agradável aos olhos e o mais coerente com a malha 3D (C).
No caso do mapeamento de uma reconstrução forense não há a possibilidade de se utilizar o mapa da pessoa modelada, até por que na maiora dos casos não se sabe qual a identidade de indivíduo. Então, como resolver isso?
A resposta é muito simples. Como o Blender permite qualquer tipo de projeção, pode-se lançar mãos de uma imagem que seja coerente com o tipo físico da pessoa modelada.
Os exemplos anteriores, com projeção frontal e lateral “retos” foram escolhidos para facilitar a compreensão do funcionamento da ferramenta.
Na imagem exemplo temos uma tomografia reconstruída de um porco. A imagem utilizada para a projeção foi capturada lateralmente (A), a projeção foi feita mais ou menos na mesma posição e, com alguns ajuste, se encaixou perfeitamente (B). Uma outra projeção com a mesma fotografia foi feita do lado oposto e o mapeamento final ficou bem encaixado ao modelo (C).
É importante frisar que a imagem que será utilizada como referência precisar ter qualidade para que fique agradável aos olhos. Qualidade implica em uma imagem geralmente grande, com mais de 2000×2000 pixels.
Pode acontecer de uma malha ser mapeada com uma série grande de imagens. No caso de uma múmia, pode ser utilizada uma foto apenas para mapear a área dos lábios, outra para a área dos olhos com pintura, uma para as orelhas e assim por diante.
Terminado o mapeamento facial, é chegado o momento de inserir cabelos na cabeça.
O Blender conta com um conjunto bem estruturado de ferramentas especializadas na criação de pelos e cabelos.
Inicialmente é necessário que a área dos cabelos seja pintada. Por padrão, quanto mais se aproximar a cor pintada do vermelho, mais longe será o cabelo, quanto mais voltado ao azul escuro, menos longo será o fio.
Ao se aplicar os cabelos, eles tendem a seguir a projeção da superfície pintada (A). É necessário pentear, cortar ou aumentar o comprimentos dos fios (B), até que o resultado se aproxime do desejado (C).
Com o mapeamento e os cabelos devidamente configurados é o momento de gerar as imagens finais. As imagens virtuais a direita foram colocadas ao lado da imagem original a esquerda para comparação. Com uma boa configuração de iluminação é possível se chegar a excelentes resultados. No rosto ao centro foram mantidas as linhas da malha base, deixando flagrante o pouco número de subdivisões. O fato é que o mapeamento com as imagens viabiliza uma boa renderização (geração de imagens com qualidade final).
Voltando a múmia, podemos ver a renderização final já com os cabelos configurados.
Outra vantagem da modelagem via computador é a possibilidade de criar imagens que seriam impensáveis em uma modelagem clássica.
Como a possibilidade de deixar a pele levemente transparente para que os músculos fiquem visíveis.
Se houver dificuldade de compreensão por parte dos observadores ou testemunhas, pode-se ainda gerar um vídeo onde a cabeça é rotacionada para que sejam apresentadas todas as duas nuances.
Se mesmo com o vídeo ainda não houver uma boa compreensão, é possível imprimir a cabeça em três dimensões, desde que a instituição tenha condições de arcar com os altos custos desse serviço.
Cases de Reconstrução Facial Forense com Software Livre
Nada mais natural do que exibir alguns casos de reconstrução facial forense utilizando software livre. Para mais detalhes em relação as técnicas utilizadas, acesse os posts específicos desse site.
Conclusão
A reconstrução facial forense é um ramo onde ciência e arte se encontram. São muitas anos de pesquisa com bons resultados e um grande número de polêmicas, envolvendo dentre outras situações a discussão entre onde deve ir o artista ou o cientista. O cientista reclama da subjetividade do artista que teima muitas vezes em imprimir o seu estilo pessoal na obra, ao passo que o artista acusa o cientista de criar um modelo sem vida, mais compromissado com a objetividade do que com o brilho no olhar.
O fato é que, como diria Krogmam, os dois se complementam e quicá um dia cheguem a alguma conclusão acerca das limitações de seus papéis.
Lembremos que o mais importante é que o desenvolvimento dessa arte científica continue e que os seus frutos sejam não apenas uma série de grandes homens do passado ressurgindo com bustos gloriosos, mas que principalmente se identifique pessoas há muito desaparecidas, trazendo conforto ao coração daqueles que inefavelmente sofreram durante ausência.
Sites Úteis
ATOR (Arc-Team Open Research), site sobre arqueologia desenvolvida com software e hardware livre: http://arc-team-open-research.blogspot.com.br
Render Multimídia, escola de computação gráfica online: www.render.com.br
Blender 3D, site do programa de modelagem e animação de código aberto: www.blender.org
Blender Brasil, site com muitos tutoriais e referência nacional do programa: www.blender.com.br
InVesalius, site do programa de reconstrução de tomografias computadorizadas: http://svn.softwarepublico.gov.br/trac/invesalius
Sobre o Autor
Cícero Moraes (Cogitas3D) é 3D artist and animator autodidata. Aprendeu a sua profissão na internet e é um dos grandes entusiastas do Blender no país. Palestrou em diversos eventos de informática, como a Latinoware (2009, 2010, 2011 e 2012), BlenderPRO (MG, CE, BH e DF), SolivreX (PR), Filsol (GO e MT) eo II Ermac (MT).
Bibliografia
Taylor, Karen T. Forensic art and Illustration/ Karen Taylor. Boca Raton, Florida : CRC Press LLC, 2001
Wilkinson, Caroline Forensic facial reconstruction/ Caroline Wilkinson. Cambridge, UK : Cambridge University Press, 2008
Герасимов, М.М. Основы Восстановления Лица по Черепу Москва : ГОСУДАРСТВЕННОЕ ИЗДАТЕЛЬСТВО «СОВЕТСКАЯ НАУКА» , 1949
Kerlow, Isaac, The art of 3D computer animation and effects / written and designed by Isaac Kerlow, 4th ed. Hoboken, New Jersey : John Wiley & Sons, 2009
Muito bom, parabéns, cogitas!
Gostei principalmente das imagens mostrando cada etapa dos objetos.
Faltou um vídeo com a filmagem da palestra. 😉
Abração.