Reconstruindo um “crânio extraterrestre”: Relato de uma viagem ao Peru

Você deve ter ficado bastante interessado na parte “extraterrestre” do título, não é verdade? Então acompanhe o texto e veja o impressionante desfecho técnico dessa história.

No começo desse ano fui contatado pelo professor MSc. Santiago Gonzales Sánchez e pela Profa. Evelyn Ayala da Universidad Garcilaso de la Vega para participar de uma conferência internacional chamada Comtel 2014 (http://www.comtel.pe/) que aconteceria de 22 a 25 de outubro em Lima, Peru. Fiquei muito feliz com o convite, mas não muito ansioso, posto que é realmente difícil que um evento desse se efetive, devido ao elevado custo dos bilhetes aéreos. Vi que a coisa era realmente séria, quando me encontrei com o Professor Santiago durante minha participação no FISL, o maior evento de software livre do Brasil, que ocorre todos os anos em Porto Alegre. Gostei muito de tê-lo conhecido e vi nele uma pessoa agradável e engajada com o software livre.

Nesse ínterim o meu parceiro de pesquisas, o Dr. Paulo Miamoto Dias fundou  a Equipe Brasileira de Antropologia Forense e Odontologia Legal (EBRAFOL). Um dos primeiros contatos foi justamente com um pessoal também do Peru, mas nesse caso a Sociedad Peruana de Odontologia Legal, Forense y Criminalística (SPOLFOC). Ficou acordado que o Dr. Miamoto palestrasse e ministrasse um minicurso em outubro desse ano. Para a nossa surpresa, as datas eram compatíveis e poderíamos nos ver por lá, já que moramos a 2000 Km de distância um do outro aqui no Brasil.

ClippingAo se aproximar a data do evento, recebi os bilhetes aéreos e soube, com grande alegria, que eu abriria ele com a “conferência magistral”, uma honraria inefável para este que vos escreve.

Cartaz do VI COMTEL
Cartaz do VI COMTEL

Cheguei em Lima no dia 22 de outubro. No desembarque já me esperava o motorista portando um cartaz com meu sobrenome. O que se seguiu foi uma sequência de bom tratamento, diante do qual só posso dizer que me senti um rei, ou como diria o pessoal local, um inca!

Em nenhum momento a organização do evento permitiu que me deixassem sozinho. Havia o temor que eu me perdesse em Lima, uma cidade enorme de 10.000.000 de habitante, ou seja, um terço de todos os indivíduos que vivem no Peru.

Palestrantes e organizadores do VI COMTEL (estou no meio)
Palestrantes e organizadores do VI COMTEL (estou no meio)

Alguns fatos curiosos e interessantes sobre aquele país: Os peruanos são muito “gente boa”, eles se esforçam para falar português, conhecem muito sobre novela brasileira, tem um tremendo orgulho de sua história (e não poderia ser diferente) e se vestem muito bem, com muita formalidade. O evento, que era de informática, mais parecia a festa de casamento de um figurão da sociedade.

1656200_10205156601661235_7095046523821831366_nMinha palestra correu tranquilamente, mas com um portunhol sofrível. Além da palestra ministrei um minicurso e ao que parece o pessoal gostou bastante do Blender 3D.

Minicurso de Blender na Universidad Inca Garcilaso de la Vega
Minicurso de Blender na Universidad Inca Garcilaso de la Vega

Com o tempo livre, decidi fazer algo que me alegra imensamente. Turismo? Não! Buscar crânios históricos para digitalizar por fotografias (fotogrametria).

Na véspera eu havia visitado o Museo Nacional de Arqueología, Antropología e Historia del Perú (www.facebook.com/MNAAHP). Na cara dura fui no departamento técnico, com guarita cheia de seguranças e solicitei uma reunião rápida com algum arqueólogo que pudesse me atender. Depois de um bom tempo cadastrando-me e aguardando que alguém tivesse tempo e disposição, tive o prazer de conhecer a arqueóloga Patricia Maita. Ela foi muito gentil e se mostrou interessada em reconstruir um crânio do acervo de modo a conhecer a face do indivíduo em questão. Combinamos que ela falaria com os superiores e se houvesse interesse e um OK por parte deles eu não apenas poderia fazer as fotografias necessárias, como teria a honra de ministrar uma palestra aos técnicos de lá.

Deu tudo certo, os superiores permitiram as atividades e ficou acordado de que eu lá iria no outro dia a tarde, logo depois das minha atividades.

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Com arqueólogos e técnicos do Museo Nacional de Arqueología, Antropología e Historia del Perú. Foto: Kethelly S. Quevedo.

Fui acompanhado da missionária (isso mesmo) Kethelly S. Quevedo, uma brasileira vinculada a universidade e que lá vivia há alguns anos. O que era perfeito, pois mais cedo ou mais tarde eu poderia falar alguma besteira em portunhol.

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Palestra ministrada nas dependências do Museu. Foto: Kethelly S. Quevedo.

Inicialmente ministrei uma palestra com o mesmo conteúdo abordado na conferência (reconstrução facial digital), pela manhã, mas adequado ao meio arqueológico. Mostrei aos espectadores que “a culpa toda era da arqueologia”, pois o intuito inicial das reconstruções era histórico, mas a tecnologia acabou tangenciando outras áreas como a de confecção de próteses, planejamento cirúrgico e reconstrução de cenas de crime.

Em seguida formos todos à parte externa do museu onde tirei fotos do crânio e aproveitei a oportunidade para explanar o funcionamento da digitalização 3D por fotogrametria.

Agradeci a todos e segui, feliz da vida de volta ao evento. Aquelas fotos no meu smartphone eram como um troféu, como um presente desejado, como uma grande descoberta que aos poucos se converteria em um projeto muito interessante.

1656280_10205165474283045_4835508255768586157_nNo outro dia me encontrei com o Dr. Miamoto no hotel que eu estava. Fomos ao centro de Lima apreciar a culinária local, que é deliciosa. Também compramos presentes para nossos parentes e aproveitamos para entrar em contato com uma instituição possuidora de crânios históricos. Infelizmente não posso contar detalhes desse outro projeto, mas garanto que será muito interessante.

63936_10205189485923321_5764127671167870931_nCom a mala cheia de presente, o smartphone denso de fotografias e a mente plena de lembranças e de gratidão voltei ao Brasil. Acabei tendo um problema no voo de volta, mas fui socorrido pelo Prof. Aleksandro Montanha, acionado pelo pessoal do Peru. Se não fosse por eles eu estaria frito em São Paulo, deixo aqui novamente meus sinceros e efusivos agradecimentos.

1507273_10205243502713707_3951086923114619850_oSobre o crânio extraterrestre… bem, para o dissabor daqueles que apreciam essa história, o crânio é muito humano. Trata-se de uma técnica utilizada largamente por civilizações pré-colombianas. Ao voltar ao Brasil informei alguns conhecidos do projeto e rapidamente saíram notícias em um jornal e programa de TV. Em ambos os repórteres optaram por colocar ET no título, mas cuidaram de elucidar os fatos posteriormente ao fazerem comentários sobre aquela curiosa deformação. Sobre o desfecho impressionante, o que posso dizer é que para mim foi glorioso conhecer as dependências do museu, poder compartilhar conhecimento com os técnicos e arqueólogos e ainda ter acesso aquela peça anatômica tão bela.

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Grupo de Estudos Miamoto-Moraes (SPOLFOC). Grande honra em saber que temos um grupo de estudos com nossos sobrenomes!

O Peru tem muita história, o Peru é cheio de gente boa andando pelas ruas e lá no fundo eu sinto uma deliciosa inveja por eles estarem tão ligados aquela terra e aquela história, coisa que eu e a maioria dos brasileiros não tem. Não estou falando de ufanismo, estou falando de viver em um local há milhares de anos e isso meu amigo, eles têm de sobra.

Um grande abraço aos meus amigos incas!


2 thoughts on “Reconstruindo um “crânio extraterrestre”: Relato de uma viagem ao Peru

  1. Carlos Wagner

    O que dizer?

    Parabéns, Cícero.

    Venho acompanhando seu trabalho desde 2009 e mostro para todos que conheço e se interessam por CG. Muitos ficam admirados enquanto outros duvidam da reconstrução forense, mas todos acham os resultados muito belos.

    Aguardo ansioso pelo resultado desta nova empreitada dos Aliens. Espero não! Tenho certeza que será uma grata surpresa no final das contas.

    Saúde e Paz.

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