Caros amigos,
Segue uma tradução do texto “Anthropology of religion: a forensic reconstruction. The face of St. Anthony of Padua” escrito por Lucia Galasso e originalmente publicado no blog do grupo italiano de pesquisas arqueológicas Arc-Team. Além de traduzí-lo, aproveitei o ensejo para complementar o post com o texto do Dr. José Luís Lira, especialista em hagiologia (estudo da vida dos santos).
Boa leitura!
Em 31 de agosto de 2014 em Brusciano ocorreu a “Festa dei Gigli” (Festa dos Lírios). O protagonista desta celebração, apesar de estarmos em Campania, é Santo Antônio de Pádua. A devoção a este santo é tão forte na cidade que a festa em sua honra é vista pelas pessoas como mais importante do que aquela oferecida ao santo padroeiro do país, São Sebastião.
A celebração deste ano, no entanto, foi caracterizado por uma importante novidade: um dos “Gigli” (lírio em italiano) dedicada ao santo, o “Giglio” de Passo Veloce, levou em seu pico a efígie de Santo Antônio de Pádua com a sua verdadeira face.
Os “Gigli” são construções feitas de álamo, abeto e castanha, com a forma de um obelisco, de até 25 metros e pesando até 50 toneladas, montados com pregos e corda e decorados com cenas religiosas.
A reconstrução forense do rosto do santo foi um trabalho de equipe que envolveu, entre outras instituições, o Museu de Antropologia da Universidade de Pádua (Dr. Nicola Carrara), Arc-Team (Cícero Moraes e Luca Bezzi), o Centro Studi Antoniani (Padre Luciano Bertazzo) e Antrocom Onlus (Dr. Moreno Tiziani) e foi apresentado em Pádua durante o junho Antoniano de 2014.
A escolha dos devotos de Brusciano é uma oportunidade de considerações interessantes do ponto de vista da antropologia da religião, o que nos dá uma visão geral da relação que os crentes têm com os santos padroeiros italianos.
O culto dos santos é, de fato, um dos aspectos mais fortes da religiosidade na Itália, sendo um meio poderoso de identidade. Os santos não estão apenas representando a si mesmos e suas figuras não estão limitados a uma questão religiosa ou hagiográfica: cada santo é primeiramente uma amostra da comunidade que ele representa; ele é um emblema cívico que encarna o personagem da cidade em que ele é reverenciado, da comunidade ou do grupo que o elegeu como um santo padroeiro e transformou-o em um “logotipo do sobrenatural”, bem resumido pelo antropólogo italiano Marino Niola.
Ele é uma espécie de totem, que pode nos informar sobre a origem dos costumes, símbolos, personagens e regras de conduta, envolvendo a relação única que o santo tem com determinada comunidade nessa área em particular. Não é por acaso que o dia dedicado ao santo local é um dia de festa. Um dia pontuados por comportamentos que são diferentes daqueles utilizados na vida diária: comer de forma diferente, vestir-se de forma diferente, seguindo ritmos diferentes dadas pelo feriado.
Nós também temos que considerar que, de acordo com a fisionomia popular, existe uma correlação entre as características físicas (especialmente faciais), e traços de caráter. O rosto de Santo Antônio, dado pela reconstrução forense de Cícero Moraes, valida o imaginário popular dos devotos. Desta forma, o dia dedicado a Santo Antônio de Pádua se torna uma representação ritual da tradição da cidade, a sacralização do espaço urbano e uma oportunidade de reescrever os “mapas de identidade”, para reconstruir a comunidade em nome do santo.
Eis como explicar a escolha dos crentes de usar o verdadeiro rosto do santo: a eficácia simbólica do santo é reforçada pelo seu olhar real, que abrange toda a comunidade reunida na celebração.
Os rostos da fé
Texto escrito pelo Dr. José Luís Lira (veja curriculum abaixo)
Desde criança eu me fascino pelo mistério que envolve a questão da santidade católica. Pensei em ser padre e desta época em diante passei a reunir tudo o que dissesse respeito ao assunto. Em 2004, já formado em Direito e professor universitário, junto com a amiga e colega de profissão, Matusahila Santiago, fundei a Academia Brasileira de Hagiologia, seguramente, a primeira no mundo dedicada à questão da santidade católica.
A Academia foi fundada nos moldes defendidos pelo então Santo Padre João Paulo II, buscando unir fé e ciência e temos muitos frutos dela. Em 2005 lançamos um primeiro livro sobre a questão da santidade no Brasil, cuja 2ª edição em 2012 foi publicada pela Editora A Partilha, “A Caminho da Santidade”, ali reunimos todos os candidatos à santidade católica no Brasil até aquela data.
As imagens foram criadas para ajudar àqueles fieis que tinham dificuldades de idealizar os santos. Alguns deles não sabemos a verdadeira face: Jesus, Maria, José, os apóstolos, Maria Madalena, entre outros. Então cada autor, antes do surgimento das pinturas e das fotografias, deram a estes a face que lhes conviessem. Assim, vemos Cristo em diferentes expressões. É claro que a ciência ajuda-nos com o homem do sudário. Maria nas suas mais variadas aparições deixa-nos uma imagem diferenciada, salvo a imagem do manto de Guadalupe que ainda é um mistério. Ninguém a explicou por completo e tudo nos leva a acreditar que aquela é a verdadeira imagem da Mãe de Deus.
Hoje temos santos com os quais convivemos direta ou indiretamente. Santo que usou calça jeans ou paletó; santo que usa prancha de surf ou santa que usava véu nas celebrações. Temos suas fotos, suas imagens reais. Dos santos dos primeiros tempos, conhecemos a imagem pelas explicações que foram colocadas em livros e descrições feitas pelos seus contemporâneos. Quando vi o trabalho do brasileiro Cícero Moraes da reconstituição do rosto de Santo Antônio, vibrei num misto de emoção e de alegria. Eu havia passado em Padova pouco antes, em maio passado, e de lá trouxe uma relíquia do Santo, pois, o Oratório que tenho em minha casa é dedicado a Santo Antônio, devoção presente em minha família há séculos, a contar que meu bisavô era chamado Joaquim Antônio.
O olhar angelical e de piedade de Antônio de Pádua (de Lisboa também por respeito aos nossos amigos Lusitanos), foi substituído pela face de um padre conventual. E uma coisa interessante, na casa em que Santo Antônio nasceu, hoje igreja, em Lisboa, há uma tela que se costuma chamar a verdadeira imagem de Santo Antônio, bem como a imagem que há em Padova que retrataria o Santo se assemelham à reconstituição facial do santo feita por Cícero Moraes. Da minha parte e da de meus colegas hagiólogos, só temos a aplaudir este trabalho e quisera fossem reconstituídos outros santos, para que assim, os conhecêssemos em suas verdadeiras faces. A propósito de meu Oratório, lá já está a verdadeira face de Santo Antônio, reconstituída graças à ciência ajudando a revelar os rostos da fé.
José Luís Lira
Pós-doutor em Direito pela Universidade Federal de Messina, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora (Argentina), possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza. Advogado. Jornalista Profissional (Registro DRT-CE. n CE-01459-JP). Atualmente é professor efetivo do Curso de Direito da Universidade Estadual Vale do Acaraú, conselheiro do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará (COEPA). Integra as seguintes entidades culturais: Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará (Acadêmico 2000); Academia Fortalezense de Letras (Fundador e Acadêmico 2002); Sociedade Cearense de Geografia e História (Sócio-Efetivo 2002); Associação Brasileira de Bibliófilos (Sócio-Efetivo 2003); Academia Brasileira de Hagiologia (Fundador e Acadêmico 2004); Academia de Letras e Artes Mater-Salvatoris (Salvador BA, Sócio-Correspondente 2004); Academia Sobralense de Estudos e Letras (Acadêmico 2007); Instituto Histórico e Geográfico de São João Del Rei (MG, Sócio-Correspondente 2009); Academia de Letras de São João Del Rei (MG, Sócio-Correspondente 2009) e Academia Cearense de Hagiologia (Fundador e Acadêmico 2009), entre outras. Dedica-se à área de Direito, com ênfase em Teoria do Direito, Direito Romano e Tópicos de Direito Público e Privado e, ainda, às áreas de Hagiologia; Literatura Brasileira e História. Publicou 17 livros.
oi gente
gostei muito desse site, parabéns pelo trabalho. 😉